sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

223

Na sala ao lado jaz, fria como a manhã, uma garota morta. Tudo bem, confesso, ela não está realmente morta: ela morreu em mim. Algumas vezes, geralmente ao alvorecer, levanta-se de seu repouso eterno e me atormenta com seus movimentos mórbidos. Frios e mórbidos como the dance of death. A garota de morte, que por tantas vezes me matou aos poucos pra depois me reerguer. Faça o favor a si e a mim de permanecer calada assim: morta. Visto que morro toda vez que te insiste em acordar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

222

Pobre de ti, óh rapaz que faz glória das belezas de tua alma. Quê são as amarras de tua virtude diante dos traços longínquos do corpo da mulher desejada?

221

A mudança. Há mudança. Ah!! mudança.
Se tudo muda, por que permanecer calada? Imóvel assim: muda. Se tem de mudar, mude. Enquanto muda: espero. Se tudo muda, há esperança.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

220

Expressão concisa de liberdade e sinceridade é  a minha embriaguez que - por ironia estética - sendo uma embriaguez solitária, te procura. Não ofereço nada além do sabor da verdade. De súplica e de necessidade. Procurar é expressão da ânsia mordaz de meu peito febril pelo prazer da tua presença. Como de costume, não é um prazer físico (não somente).Ter contigo como esperança do prazer que nem mesmo um copo cheio e duas pedras de gelo me ofereceram é de assustar a ambos. Não te preocupes. Compreenda que a única coisa em jogo não é a súplica do desejo. É necessário, muito além de qualquer coisa, um movimento lucido em direção à monotonia. Á inércia pacata das almas que dá ao puro romance uma estética erógena. É por isso que lamento tanto que te volvas os olhos quando meu enlevo etílico volta os braços a ti. Que prefiras transformar te em incertezas ao invés de dor do arrependimento incerto. Amanhã de manhã serei a sarjeta. Se não fores capaz de à noite completar meu cálice com dois tragos ou mais, não me ajude. Deixe que num beco qualquer apodreça o corpo cuja alma deixaste arrastar-se pelas ruas a se perder em misantropia.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

219

Vá! E diga a eles que, em breve, todos viveremos outra vez.

218

Admiro, de todas as virtudes no mundo, a coragem daqueles que partiram sem dizer adeus.

217

É verdade afinal que é esta a pior época de um homem. Olho ao redor mas sem muita atenção à mudança. O interior do homem busca, como se sabe, na verdade a repetição. Uma espécie de não vida em oposição à linearidade das aventuras humanas. É como querer viver sem estar vivo. Um retorno místico do homem ao útero materno da não-existência moral. Ainda assim regojiza-me trancar os olhos e ver ao fim do traço retilíneo de história humana o rosto sereno que nem mesmo aparenta interesse. Nessa imagem de paz, imaginação ou lembrança que seja, percebo nunca a vi (ou verei) sorrindo.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

216

Lembro o quanto vivi sozinho, é verdade. Ah, o quão áspero o caminho trilhado na ausência e na busca pelo sentido intrínseco da solidão presente. Impetuosamente entrara, no entanto, vinda de onde jamais alguém ausente de um mundo comum poderia se antecipar. Silenciosamente me inspira, pena que é cedo pra saber o quão importante o caminho que ocupa.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

215

Gosto dos ideais. Dos amores platônicos por natureza. Existe algo que só desperta o interesse quando não está à disposição. Será preciso ao amor permanecer ausente para continuar a ser amado? A ausência é também fonte inegável de desinteresse. Muito além de escolher desmistificar o interesse irrealizável é saber se vale o esforço em direção ao desinteresse mútuo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

214

Há tempos não me aproximava assim. É um ato de coragem, eu sei, derrubar assim os limites da individualidade. Estar presente ainda que sem o perfil físico é uma atividade emocional ainda estranha mas muito confortável. Só quero, totavia, romper a zona de conforto. Meu peito anseia pela zona de confronto.

terça-feira, 21 de junho de 2016

213

Um pouco distante, pouco lembrado. Pouco falado, citado, pouco tempo que se via isso. Volte e se vire, incline-se, acene. Faça, fale, clique. Não sabia o quanto poderia durar tudo aquilo, mas um e outro dia a mais eu ia suportar, era de tremer e desenvolver, era de lembrar. Tudo se alinhará. Mas ainda estamos longe. Pense, escute e repita. Ou não.

domingo, 29 de maio de 2016

212

São praticamente onze. Não no meu mundo, onde não passa de cinco e meia. Caminhava agora pensando quando caminhava - caminhávamos - outrora. Há tempos, eu sei, precisávamos. Havia pouca escolha, até que o novo mundo em que passamos a viver tornou a caminhada ao seio de nosso lar um mero acaso - ou escolha. Mas era na nacessidade em que nos descobrimos, em que nos descansavamos. Se há relação, nunca saberei. Mas saiba que haverão lugares em que nunca mais caminharei como antigamente.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

211

O homem comum pergunta: eis aí o amor? O poeta: acaso há, entre estes dois - para que me sirva - alguma inspiração? Há o olhar pueril e inocente da criança que, descobrindo ainda o seu mundo, indaga: entre eles há grande amizade? Eu fico muitas vezes com o filósofo - aquele qualquer que olha para o ventre, para o corpo, e afirma: observa lá, meu caro, a beleza, o movento, a vida e a morte, tudo que confere sentido numa única imagem: todo movimento sincero no mundo é libido.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

domingo, 24 de abril de 2016

209

Deixe cada um de nós tornar a ser como fora um dia. Ou tona-te algo novo, mas que seja desde sempre o seu próprio eu a manifestar com júbilo a sua propria existência. Não há nada de nobre em insistir numa programação destrutiva."Torna-te quem tu és", ou, ainda, torna-te quem não te arrependas de um dia haver sido, quando todas as promessas deixarem o tempo - como a areia que esta ampulheta já não mais pode derrubar.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

208

Olha, pequena. Há ausências que não são difíceis de se suportar. Às vezes pode até ser mais fácil viver sem. Mas às vezes, simplesmente não é bom.

domingo, 10 de abril de 2016

207

E eu que, dentre as várias formas que eu tive pra poder guardar-te em mim, escolhi não saber por onde andas.

domingo, 3 de abril de 2016

206

Estando eu, espero, ainda muito longe da morte, e sob todas a qualidades mentais com as quais ei um dia de ser agraciado, espero em ti um último desejo : de que após o desfalecimento de minha carne em puro espírito derramem lágimas apenas sobre a carta de vinhos lançada à mesa. Que acalentem em seus corações somente aquilo que não perderam e que se desgostem apenas diante de todo prazer ilícito, inclusive das cinzas deste corpo que um dia ão de fecundar na natureza mais do que esta existência sensível fora capaz de fecundar nela mesma em vida. N'outras palavras : que vivam a morte definitiva do ser assim como o ente aproveitara cada morte que teve de suportar estando ainda "vivo".

quarta-feira, 30 de março de 2016

205

Ela me olhou nos olhos e eu, na esperança de que não fosse despedir-se, sorri. Eu a acompanhei pelas ruas fartas de gente e dores. Eu a coloquei sobre meus ombros a deixei aonde haveria de ficar em segurança. Com um sorriso ela me agradeceu. Eu não me enganei, afinal. Não ela não se despediu. Ela foi, e desde então a esperei em vão.

quarta-feira, 23 de março de 2016

204

Há lembrança e, esta sim, é um prato que se come frio. De paladar amargo e que quase sempre leva à ruminação. Pois como então eliminar a dureza de se necessitar de um prato pouco louvável? Diante da lembrança, há quem coma, há quem beba. Pobres de nós que, cientes de suas arguras, insistimos em provar sempre do mesmo prato.

quarta-feira, 16 de março de 2016

203

Numa (in?)sensível dialética entre a tua beleza e a minha melancolia, a nossa síntese não poderia ser nada mais que ele: no curso das palavras; na interação dos corpos, no final só nos restou o silêncio.

terça-feira, 8 de março de 2016

202

Nestas cinco polegadas observo-te abandonar o meu apreço. Permaneço nesse quarto de uma bagunça inabitável. Bagunça essa incomparável com o caos que causou reviravolta quando decidimos que não deveríamos habitar mais o peito um do outro mutuamente. Ora! Ainda não aprendi como farei para organizar-me o quarto e tornar-me o peito novamente habitável.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

201

Amor philia - amizade - é como eros: as vezes dura tanto quanto um final de semana.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

200

Nunca fora mais real a máxima de que é preciso aprender a perdoar para ser perdoado. O perdão de que careço e hiperbólico. É necessário perdoar a si mesmo; e a amar a si mesmo após o perdão. É por isso que não te procuro. Imagino que, como em mim, em você também iria doer ouvir o que às vezes tenho de dizer a mim mesmo. Quanto a nós: não há perdão. Não há falha a ser pedoada. Não há mais juras, é verdade. Mas nessa falta nos sobram agradecimentos.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

199

Reticências ... Apagado é agora o penúltimo de seus pontos, transformando o final indeciso num temível ponto final. É verdade que nenhum parágrafo novo começa antes do ponto, mas um novo capítulo também não. Ou, talvez (quem sabe), até outro livro. Mas, veja, pequena. Me apego tão profundamente a histórias que me comovem. O quão difícil pode ser uma nova? Talvez tanto o quanto ruminar os elementos da história anterior. De todo modo, a intelecção consiste em saber apreender com os livros que lemos. Talvez ainda mais com aqueles que escrevemos. O que vem agora? Reticências? Ou ponto final? Estarei aqui pra descobrir, mas você não

sábado, 20 de fevereiro de 2016

198

Na ânsia por fugir da dor me projetei no futuro e perguntei a mim mesmo se um dia serei capaz de esquecer. Percebi que no fundo o esquecimento não é o que buscamos. Quero mesmo é um dia poder lembrar sem toda esta dor; ou seja, será que um dia deixarei de amá-la? É essa a grande tragédia do fim: você anseia pra que um dia abondone aquele sentimento mágico que te agarra e que te dói quando pensa nela. Eu ainda acredito na atemporalidade do amor, e que assim como eu te dizia que te amava antes de te conhecer, pois nosso encontro havia sido apenas a materialização de um amor que transcendia a realidade, eu creio que ele continuará existindo em algum lugar do cosmo. O trágico é que, para que essa dor termine, é necessário que ele permaneça fora do tempo; fora de nós. É trágico.

domingo, 31 de janeiro de 2016

197

É preciso que prometa. Não como eu. Prometa aquilo na medida em que o cumpra. Permaneça grande, pequena. Cresça e não permita que te machuquem. Livra-te dos bajuladores, pois a eles pertence a cobiça e a enganação. Nunca deixe que te convençam sobre ser menos do que aquilo que espera para si mesma. Continue crescendo, pequena. E cuide-se, mantenha-se a caminho da felicidade que mesmo não cumprindo, prometi. E que jamais permita-os a dar-te o prazer que o teu coração não encontra no teu amor consigo.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

196

Tudo melhora com o tempo, mas o tempo não é agora. Congelado no momento percebo que lá fora o tempo passa. Escureceu. Está tarde: tarde de mais. Este computador e estes livros - eles precisam descansar. Maldita seja esta geração. Smartphones e tecnologias. Alguma coisa deve restar pra que eu saia do tempo. Mas o tempo está em mim. Não sou eu que faço o contato. É esta fórma material não sensível que contacta o teu eu que ainda vive em mim. Oh! Merda! A disposição destes ícones também tem a tua marca impressa por mim. Eu disse ainda: basta! Mas nunca basta quando se está fora do tempo.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

195

A pele em cada traço. A alma - livre e selvagem - em cada toque de aquarela. O desejo a cada passo. O sonho em cada ato de dança. A leveza a cada tom. A entrega a cada canção. Em tempo, memórias: obras de arte para um espectado só.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

194

Algumas roupas deixam de servir e são deixadas de lado com o tempo.. Outras um dia servem a alguém a quem se lhe destina, noutro dia servem a ti também... Palavras escritas a tanto tempo ... hoje com um paladar seco como o vinho.. e como o vinho tornam-se melhores com o tempo.. A ti, a mim e a todos aqueles cujo tempo revestiu com o doloroso manto do crescer ...